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Descontrole impulsiona surto de ebola no oeste da África

Em maio deste ano, a enfermeira Messie Konneh começou a sentir os primeiros sintomas do vírus ebola: febre, dores no corpo, vômitos. Ela havia tratado uma pessoa que tinha vindo de Kailahun contaminada.

Poucos dias depois, Messie morreu.

A enfermeira era muito querida em seu vilarejo, Daru, e muita gente foi ao enterro.

Seguindo o ritual tradicional, lavaram o corpo com água quente e sabão, vestiram-na e a embrulharam em panos brancos antes de enterrar (não usam caixões).

Os cadáveres são altamente contagiosos - o vírus ebola sobrevive vários dias no corpo.

O assistente de rádio Mohammed Sharif, 40, participou do enterro.

Pouco tempo depois, Sharif também sentiu os sintomas. Mas resolveu não ir para o hospital. "Ele me ligou e disse que estava com muita febre, passando mal; ele achava que era malária", contou à Folha Sheku Tanga, um dos melhores amigos de Sharif.

"Ele disse que não ia para o hospital porque todo mundo que entra lá morre", disse Tanga, que é radialista em Kenema, o epicentro da epidemia de ebola em Serra Leoa.

O país da África Ocidental é um dos mais afetados pela epidemia, com 348 mortes. O ebola já matou 1.145 pessoas em quatro países da região -Serra Leoa, Nigéria, Guiné e Libéria.

Sharif morreu em casa e contaminou sua mulher e seu filho de um ano, que também morreram. Sua outra esposa, que morava em outra casa, sobreviveu.

Seu amigo Tanga não foi ao enterro. Ele nunca mais foi para Daru e não deixa sua mulher e filho saírem de casa em Kenema.

Mas especialistas afirmam que a epidemia está amplamente subestimada.

A maioria das pessoas tem medo de hospitais e mantém os doentes em casa, aumentando a contaminação.

O contágio se dá através de fluidos - contato com saliva, sangue, vômito, suor ou objetos que tenham sido tocados.

"O número de casos deve ser bem maior, não por manipulação de dados, mas porque as pessoas estão com medo e não vão para o hospital; a situação não está sob controle", disse à Folha Jacob Mufunda, representante da OMS em Serra Leoa.

A maioria dos infectados são médicos e enfermeiros que tiveram contato com pacientes.

Sheik Umar Khan, o principal especialista em ebola no país, que tratou mais de 100 pacientes e era um herói nacional, morreu da doença no fim de julho. Modupeh Cole, que subsitutiu Khan na coordenação do combate à doença, também se contaminou e morreu na semana passada.

Um médico americano que trabalhava na Libéria foi contaminado e está sendo tratado com uma droga nova, a Zmapp.

FORA DE CONTROLE

"A epidemia na Guiné está relativamente estabilizada, mas em Serra Leoa e na Libéria está totalmente fora de controle", disse Joanne Liu, presidente internacional da organização Médicos sem Fronteiras, que mantém um hospital de ebola em Kailahun e tem 384 membros trabalhando em todo o país.

"É um cenário totalmente diferente de outras epidemias de ebola, a epidemia não está isolada em alguns vilarejos, está se alastrando para as cidades".

O governo decretou estado de emergência e impôs uma série de medidas para deter a epidemia.

Todos os bares, restaurantes e cinemas têm de fechar as portas às 19h. O governo impôs uma regra proibindo o aperto de mão e orientando todos a usarem manga comprida. Muitos agora se cumprimentam com o cotovelo.

Em todos os estabelecimentos, as pessoas lavam as mãos em água sanitária (água com cloro) em baldes na entrada.

Na chegada e saída no aeroporto, todos os passageiros têm a temperatura medida e preenchem um formulário médico.

A British Airways e algumas companhias aéreas africanas suspenderam voos para o país. Empresas estrangeiras e embaixadas estão evacuando seus funcionários.

Os okada, mototáxis usados por boa parte da população, só podem circular das 7h às 19h. Dez motoristas de okada foram contaminados ao transportar pacientes de ebola sem saber.

O radialista Tanga, que adorava comer o cozido de porco-espinho e folhas de cassava (mandioca) que sua mulher fazia, deixou de comer o prato. Carne de caça pode ser um dos meios de contágio.

Um dos principais passatempos neste país, que está entre os mais pobres do mundo e passou por anos de guerra civil, era assistir aos jogos do campeonato inglês de futebol nos cinemas, pagando uma entrada de 1.000 leones (cerca de US$ 2). Estão todos fechados.

Em Kenema e Kailahun, locais mais afetados, escolas estão fechadas para as férias e não irão reabrir.

Mas é difícil implementar medidas de contenção de epidemia neste país, que tem o quinto pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.

Kenema e Kailahun estão isolados por um cordão sanitário para que o ebola não se alastre pelo resto do país, embora isso já esteja acontecendo. Em tese, ninguém sai nem entra: há checkpoints na estrada para medir a temperatura das pessoas e só passa quem tiver um passe emitido pelo Ministério da Saúde.

Mas, na sexta-feira à noite, os repórteres da Folha, acompanhados do motorista, que é leonês, entraram no distrito isolado sem apresentar todos os passes ou ter sua temperatura medida. Os policiais apenas insinuaram que queriam propina.

No prédio onde o médico Cole morava em Freetown foi imposta uma quarentena para todos que tiveram contato com ele. Mas, no fim da tarde da última quinta, o bloqueio se resumia a dois policiais do outro lado da rua, comendo um lanche e batendo papo.

No hospital público de Kenema, um dos principais centros de tratamento de ebola, os pacientes chegam para triagem e circulam livremente, entrando em contato com outras pessoas.

"Só Deus pode salvar a gente dessa doença, olha quanta gente aí fora, imagine se alguém estiver contaminado", disse Joseph Koroma, que trabalha na Airtel, empresa de telefonia do país, apontando para um mercado de rua.

O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA enviou equipes de especialistas para Libéria, Serra Leoa e Guiné. Parte do time é o especialista T. G. Ksiazek, que já atuou em mais de dez epidemias de ebola, a primeira em Kikwit.

"Esta epidemia se espalhou muito rápido e está durando muito mais tempo que as outras, é muito preocupante, não conseguimos deter o contágio", disse ele, que hoje atual no Galveston National Laboratory. 

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